Do píer, Pepê e Rico a Slater, Irons e Occy, Rio revive sua história no surfe

Era uma época em que carregar uma prancha - de 12kg, 15kg - despertava desconfiança. Recém-nascido na década de 60, o surfe carioca cresceu em meio à ditadura militar. E dois verdadeiros meninos do Rio, Rico de Souza e Pepê Lopes, abriram as portas da cidade para o esporte. Anos mais tarde, um Kelly Slater ainda cabeludo conquistou ali o primeiro de seus dez títulos mundiais, em 1992. Já hexa e careca, ele estava de férias quando o Arpoador viu Andy Irons aparecer em 2001, mesmo ano em que Mark Occhilupo, hoje aposentado, quase foi parar numa delegacia. A cidade, que na última década ficou à margem do Circuito Mundial, volta a respirar surfe com o Rio Pro, que começa nesta quarta-feira, na Barra da Tijuca ou, dependendo das condições, no Arpoador. O SporTV.com vai transmitir ao vivo.

Campeonato Skol no píer de Ipanema em 1972 (Foto: Divulgação) 
Campeonato no píer de Ipanema em 1972 (Foto: Divulgação / em parceria com Rico Surf)
Rico de Souza, embaixador do surfe no Brasil, guarda com carinho todas as lembranças. Da primeira prancha de fibra, em 1966, das primeiras ondas no píer de Ipanema, na década de 70. O pico era ponto de encontro da vanguarda carioca. Ditava moda, comportamento. Fernando Gabeira, Gal Costa,... Eram intelectuais, artistas, jornalistas. E o surfe, de seu jeito, ousava desrespeitar as leis impostas pela ditadura. Gabeira, hoje, acompanha a filha, Maya, uma das convidadas pela organização do campeonato.

Houve época em que era proibido surfar entre 8h e 14h. E só era permitido pegar onda até 200 metros dos cantos das praias.
Rico surfando no píer de Ipanema (Foto: Arquivo Pessoal) - Lembro de diversas vezes estar surfando e minha prancha ser apreendida e ter de ir buscá-la no batalhão da Polícia Militar, algumas vezes no de Copacabana ou no da São Clemente – escreveu Rico em seu blog.

As ondas do píer se formavam com perfeição por conta da dragagem. A areia retirada da água era depositada ali ao lado, e o local ganhou o apelido de Dunas de Ipanema. As dunas da Gal.

Foi em uma direita do píer que Rico conheceu Pepê, então um garoto de 13 anos, louro e cabeludo. No fim do dia, já eram amigos. Passou a fazer algumas pranchas para o menino que, em 1976, venceu a primeira etapa do Mundial realizada no Brasil. Onde? No Arpoador, claro. Pepê, que depois se tornou campeão mundial de voo livre, morreu em 1991, em um acidente no Japão.

Do título de Pepê no Arpoador até 2001, último ano do Mundial na cidade, foram muitas histórias nas areias cariocas. A maior delas em 1992, com a primeira vitória de Slater. Em 1994, Plínio Ribas, irmão de Victor Ribas, perdeu uma polêmica final de WQS para o careca - ainda cabeludo. Plínio saiu do mar - naquele dia com ondas miúdas - da Barra da Tijuca aplaudido. Slater, vaiado. O público não concordava com as notas.

Mais tarde, o americano disse que Plínio era o melhor surfista em ondas pequenas que ele já tinha visto. Mal sabia que o brasileiro pouco sabia nadar. Só competia bem quando o mar estava pequeno.

Em 2000, um já polêmico Sunny Garcia sagrou-se campeão na Barra da Tijuca. Seu primeiro e único título mundial. O havaiano, hoje com 40 anos e uma passagem pela cadeia - três meses, por sonegação fiscal - ainda disputa campeonatos e, portanto, ainda pode voltar para um WQS.
surfe Mark Occhilupo Mundial Arpoador 2001 (Foto: ASP) Em 2001, ano da despedida do Rio, o australiano Mark Occhilupo teve de ser escoltado do palanque até o mar para disputar as semifinais. Isso porque, minutos antes, ele tinha sido visto com um cigarro de maconha na pedra do Arpoador. Occy não compete mais.
- Não era eu – disse, com um sorriso maroto, ao GLOBOESPORTE.COM.
Daquele ano, fica ainda a lembrança de Andy Irons, que aproveitava a ausência de Slater para mostrar seu talento no Circuito Mundial. Na estreia da etapa carioca, fez a maior pontuação – 25,00 pontos em 30 possíveis. Mas caiu na seguinte, diante de Trent Munro. O australiano seguiu até a final e derrotou Occy para ser campeão.
Foi uma temporada que terminou cedo, com apenas cinco etapas. As outras foram canceladas depois dos atentados de 11 de setembro. O americano CJ Hobgood foi o campeão. Um título que, até hoje, ainda não o convenceu. Diz ser "um campeão esquecido".

Andy naquele ano terminou em décimo. Nas três temporadas seguintes, conquistou o caneco. O último deles na catarinense Imbituba, que até o ano passado recebeu a etapa brasileira. Andy morreu em novembro, sob circunstâncias ainda não esclarecidas. Slater, seu maior rival, não sabe se continua ou para. O maior da história volta à cidade que primeiro o consagrou.
Adriano Mineirinho, Rico e Eric de Souza (Foto: Arquivo Pessoal)O Brasil terá seis representantes no Rio Pro, apenas um deles nascido no estado: Raoni Monteiro, de Saquarema. A maior esperança está na prancha de um paulista do Guarujá: Adriano de Souza, o Mineirinho. Quarto colocado no ranking, ele tem 24 anos. Dava os primeiros passos naquele longíquo 1992. Tinha 14 quando o Circuito Mundial passou pelo Rio.

- Estou superinstigado. Sei que vai todo estar torcendo – disse.

Post a Comment