Uma das manobras mais espetaculares de 2011, este aéreo 360º de Kelly Slater só aconteceu porque tinha parafina brasileira sob seus pés. Foto: ASP/Rowland.
Os aéreos dos anos 2000 exigem um novo tipo de aderência e o surf e a parafina brasileira estão na vanguarda destes assuntos.
Slob grab, rodeo clown, frontside e backside reverse, superman, lien. Aéreos que há pouco tempo entraram no vocabulário dos surfistas (para não sair mais) e que são objeto de admiração dos aficionados e meta dos mais arrojados, sejam eles amadores ou profissionais. Mas o que seriam dessas manobras, se é que seriam, sem a parafina?
“RidÃculo! Além de tudo, a parafina faz parte da tradição do esporte”, comenta o catarinense Ricardo dos Santos. De fato, o grude é essencial pelo simples motivo de ser o responsável por manter o atleta em pé na onda, e acompanha o esporte desde os primórdios. No Brasil, em meados da década de 1960, ainda se usava pranchas de madeira e era difÃcil arrumar a cola ideal, até porque não existiam lojas com variedades de equipamentos e acessórios como hoje.
“Naquele tempo a gente tinha que ser parafineiro. Cada um tinha seu jeito: uns pingavam vela para fazer a base, outros espalhavam a cera com um palitinho etc.”, conta Elias Fuad, criador da Fu Wax, parafina que está fazendo a cabeça (e grudando os pés) de atletas estrangeiros como Kolohe Andino, Taj Burrow e, há quem diga, Kelly Slater.
O que americanos, havaianos e australianos descobriram em meados de 2011 os brazucas já conhecem desde 1999, quando a marca passou a ser comercializada em maior escala. Paulo Kid, treinador de alguns atletas da chamada Tempestade Brasileira, certa vez confidenciou a Fuad que durante um campeonato em Trestles, Califórnia, Nat Young e um outro atleta trocaram duas pranchas por uma dúzia de barras fabricadas em terras tupiniquins.
Depois de tanto sucesso entre os atletas, revistas estrangeiras colocaram o assunto em pauta, o que, de certa forma, pressionou a indústria local a conseguir os mesmos resultados que o nosso paÃs de “terceiro mundo”. “Quando se formou o primeiro Circuito Brasileiro Profissional, era tudo pirateado. Hoje, passadas décadas, os gringos não acreditam como a nossa juventude e a nossa indústria começaram a ser originais, chegando a influenciar o mercado externo”, analisa Fuad.
Esse sentimento não se limita ao dono da empresa que vende 350 mil barras por ano no Brasil e que vai passar a comercializar quase um milhão de barras nos EUA. Thiago Camarão, conhecido por seus aéreos cabulosos, diz que as marcas gringas estão correndo atrás do prejuÃzo e arrisca uma comparação: “ A Sex Wax (americana) é bem mais dura e tem menos cola, o que faz com que não grude nos pelos do peito, mas, em compensação, não tem metade da aderência que você encontra na Banana Wax ou na Fu Wax (ambas brasileiras).”
Fu Wax - foto:Divulgação.
VAGABUNDAGEM PRODUTIVA
O caminho do sucesso, na maioria das vezes, é árduo. Não foi o caso de Fuad Mansur, integrante da primeira geração de surfista brasileiros, um bando de malucos que passavam o dia pegando onda, influenciados por gringos como Phil Edwards – o primeiro homem a surfar Banzai Pipeline – e Paul Strauch Jr. – idealizador do Cheater Five, manobra clássica do longboard –, ambos imortalizados no filme Endless Summer.
“A gente via os gringos de pranchão e bermuda, jogados na praia o dia todo. Eles trouxeram o layback style, a vadiagem, a preguiça, a lei do menor esforço. A gente admirou aquilo”, conta o “vagabundo nato”, que passou mais de 15 anos desenvolvendo a fórmula mágica. “Eu poderia ter sido arquiteto, engenheiro, mas eu sou vagabundo. Gastei a fortuna que meu pai me deu só na vida boa, em curtição e pesquisando material”, comenta.
Foram testadas mais de 5 mil fórmulas com 138 matérias-primas diferentes até chegar no modelo atual. “São quatro componentes que uso. Um eu ganhei de um gringo ainda nos anos 1970. Os outros três a gente foi descobrindo, sempre buscando uma ‘ponte’ para misturar a cola, que é à base de água, com uma cera lÃquida. É difÃcil isso”, conta o criador da Fu Wax.
Se para desenvolver um tabletinho com cheiro de chiclete é preciso anos de dedicação à praia, ao mar e ao surf, que dirá para conseguir aéreos como o de Gabriel Medina na final do WCT França, em 2011, ou o de Kelly Slater no WCT de Nova York, também no ano passado.
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